CONTO CONTOS DE MACHADO
TEXTOS DE MACHADO DE ASSIS
CONCEPÇÃO E DIREÇÃO KAREN SCHILLER
FAIXA 1:VIOLINO
Abre as portas do teatro e está no centro do palco Machado de Assis sentado numa escrivaninha cochilando em meio aos seus escritos.(1839-1908). De fundo musical um violino.
De repente escuta-se da coxia (intervenções com 6 atores da turma
infantil vestidos de preto com rosto branco e óculos preto desenhado=
machadianos):
1: Ei!
2: (assoviando)
3: (assoviando)
4: Oiii!
5: É... você!
Vão aparecendo aos poucos:
6: O que você está fazendo aqui? (olhando encabulado para a platéia)
1: Quem é você? (olhando encabulado para a platéia)
2: Ei... a peça já começou? (sem perceber a platéia)
6: Olha pro lado bagual!
2: E agora?
6: Sei lá! Improvisa!
2: Qual é o tema?
3: Estátua! É uma estátua de Machado de Assis! (2 faz uma estátua e
fica até o final)
4: Gente o que tá acontecen... ah... já tem platéia... (começa a
abanar e sorrir p/ platéia)
5: Eu sabia que não ia dá certo.
4: Ai que nervoso! Tô tontinha!
6: Alguém contratou esse idiota?
1: Eu acho que ele é o Machado de Assis. (alguns começam a rir e
outros se olham)
3: Machado de Assis morreu.
4: É... em 1908. Que ano a gente tá heim? (tonta)
5: Galera olha só... eu acho que o maluco se emocionou com agente
entendeu e ai...
3: e ai ele resolveu baixar aqui pra nos assistir...
4: É... mas ai porque ele não sentou na platéia?
1: Ô se esse cara for mesmo o Machado de Assis eu acho difícil ele se
emocionar com a gente...
6: é... acho até mesmo que se ele não morreu... vai querer se matar!
3: Cara olha só... você tá atrapalhando o nosso espetáculo.
5: É... alguém contratou você pra ficar aqui... sei lá...?
6: Fala bagual!
Machado de Assis: (Olha para todos mudo e espantado com cara de
retardado)
5: galera olha só... eu acho...
6: Você não acha nada. Não vem com esse papo maluco de fantasma não!
2: Gente, eu desisto. Estou abandonando o espetáculo!
1: Temos que tirar esse cara daqui.
3: É... vamos... a peça já vai começar...
4: Só falta saber se ele é de carne e osso mesmo!
Todos: (olham para ele e depois para a platéia sem graça pedindo desculpas e levando ele para coxia. Todos murmurando algo do tipo: quem é essa pessoa? Não tô entendendo nada! Que vergonha!) BLACKOUT!!!!
FAIXA 2: CRÉDITOS
O GRUPO DE TEATRO AMAEC APRESENTA O ESPETÁCULO “CONTO CONTOS DE MACHADO”
. TEXTOS DE MACHADO DE ASSIS. CONCEPÇÃO E DIREÇÃO KAREN SCHILLER. PEDIMOS
SILÊNCIO A TODOS E DESEJAMOS UM ÓTIMO ESPETÁCULO!!!
Primeiro Conto
ELENCO – 9 atores
Concepção: GRUPO DE HIP HOP
CONTO DE ESCOLA
ATOR 1 = Seu Pilar / ATOR 2 = Mestre / ATOR
3 = Raimundo
ATOR 4 = Curvelo / ATOR 5 = Pilar / ATOR 6 = Raimundo
FAIXA 3: BATIDA DE HIP
HOP DE ENTRADA:
Meninos: SE LIGA SANGUE BOM
NO QUE VAMOS CONTAR
AGORA
Meninas: É DE MACHADO DE ASSIS
Meninos: É O CONTO DE ESCOLA
Todos: É DE MACHADO DE ASSIS
É O CONTO DE ESCOLA
Meninos: ENTÃO FICA LIGADO
PORQUE JÁ CHEGOU A
HORA
Meninas: DE MACHADO DE ASSIS
Meninos: É O CONTO DE ESCOLA
Todos: DE MACHADO DE ASSIS
É O CONTO DE
ESCOLA... (4X) Todos vão se posicionando no fundo do palco.
1: Maio, 1840, segunda-feira!
2: Deixou-se estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria
brincar a manhã. Hesitava entre... o morro de São Diogo (grupo A faz o
morro) e o campo de Sant’Ana (grupo B faz o campo) que não era então
esse parque atual mas um espaço rústico, mais ou menos infinito, alastrado de
lavadeiras, capim e burros soltos. (os grupos ficam se debatendo para formar
o morro e o campo). Morro ou Campo? (os grupos se concentram em se
formar) Tal era o problema. De repente disse consigo que o melhor era a
Escola. E para lá se guiou. (os grupos se juntam no centro do palco e
sentam-se em pé, ilustrando as classes de aula). Aqui vai a razão. (o
narrador junta-se com o grupo)
FAIXA 4: BATIDA DE HIP HOP
9: Na semana anterior tinha feito
dois suetos
Meninas: hã?
Meninos: Duas folgas pô!
Meninas: Não era um menino de
virtudes...
9: Mas descoberto o caso, recebeu
o pagamento
Meninos: As sovas do pai doíam
por muito tempo.
Meninas: Não era um menino de virtudes...(2x)
9: Essa Foi a lembrança do último
castigo que levou para o colégio o nosso amigo.
Meninos: que levou para o colégio
o nosso amigo (2x)
Meninas: Não era um menino de
virtudes.
Todos: Não era um menino de
virtudes... (3x)
3: Subiu a escada com cautela, para não ser ouvido do mestre, e chegou a
tempo! (1 faz Seu Pilar)
4: O mestre entrou na sala três ou quatro minutos depois. (2 faz o
mestre)
5: Entrou com o andar manso de costume, em chinelas de “cordovão”...
Todos: Couro de cabra curtido usado em calçados!
6: com a jaqueta de brim lavada e desbotada, calça branca e grande
colarinho caído.
7: Chamava-se Policarpo e tinha perto de cinquenta anos ou mais.
8: Uma vez sentado, relanceou os olhos pela sala. Os meninos que se
conservaram de pé durante a entrada dele, tornaram a sentar-se.
9: Tudo estava em ordem; começaram os trabalhos.
FAIXA 5: VOZ EM OFF DE RAIMUNDO:
“Seu Pilar, eu preciso falar com você.”
4: Esse era Raimundo, filho do mestre. (o grupo joga o 3 para frente
para fazer o Raimundo)
5: Era aplicado, inteligência tarda. Mole.
6: Gastava duas horas em reter aquilo que a outros levava apenas trinta
ou cinquenta minutos.
7: Vencia com o tempo o que não podia fazer logo com o cérebro.
8: Reunia a isso um grande medo ao pai. Era uma criança fina, pálida,
cara doente; raramente estava alegre.
9: Entrava na escola depois do pai e retirava-se antes.
Todos: O mestre era mais severo com ele do que com os outros.
FAIXA 6: VOZ EM OFF DE PILAR:
“O que é que você quer?”
Todos: Começou a lição da escrita. (todos posicionam-se como antes
imaginando a classe)
1: Custa-me dizer que eu era dos mais adiantados da escola; mas era.
Todos: Ah...
1: É... não digo também que era dos mais inteligentes, por um escrúpulo
fácil de entender e de excelente efeito no estilo, mas não tenho outra
convicção.
5: Nota-se que não era pálido nem mofino.
4: tinha boas cores e músculos de ferro.
8: É... na lição da escrita acabava sempre antes de todos.
1: Naquela dia não foi diferente, tão depressa acabei a lição que não
tive remédio senão esperar os outros para entregar a escrita. (olha para
todos esperando acabarem a escrita)
Todos fingem acabar e entregar a escrita, ele entrega também. Todos levantam-se
7: Estava arrependido de ter vindo a escola,
9: ardia por andar lá fora
6: Recapitulava o campo e o morro (os grupos dividem-se rapidamente e
fazem novamente o campo e o morro)
4: Para cúmulo de seu desespero, viu através das vidraças da escola, no
claro azul do céu, por cima do morro, um papagaio de papel, alto e largo, preso
de uma corda imensa, que bojava no ar (um aluno solta a pipa – todos a
admirar a pipa por trás do morro)
Todos: Oh! Uma coisa soberba!
1: (vai para o outro canto do palco, olhando a todos e posiciona-se
na classe): E eu na escola, sentado, pernas unidas com o livro de leituras
e a gramática nos joelhos.
FAIXA 7: VOZ EM OFF DE PILAR:
“Fui um bobo em vir.”
Todos: Ahhhh..... (todos vão até ele)
5: E Raimundo respondeu a ele, murmurando: (.3 vai até 1 e senta-se
na classe ao seu lado)
FAIXA 8: VOZ EM OFF DE RAIMUNDO:
“Não diga isso”
A trupe divide-se rapidamente,
um leva Raimundo para um lado e os outros ficam com Pilar de outro.
Grupo A: Olhou para ele. Estava mais pálido do que nunca.
1: Lembrei-me que queria me pedir alguma coisa. E perguntei-lhe o que
era.
Grupo A: (disfarçando): Psiu... hei... O que você quer?
Grupo B: Raimundo estremeceu de novo e disse-lhe que esperasse um pouco.
(todos fazem sinal de espera)
3: É particular.
Todos menos 1 e 3: Silêncio! (Grupo A leva 1 para o proscênio. Grupo
B leva 3. Eles ficam simulando a cena – os grupos dirigem-se para o fundo do
palco e ficam de costas)
Todos: Tempo!
FAIXA 9: BATIDA DE FUNK
FAIXA 10: VOZ EM OFF DE RAIMUNDO E
PILAR: (todos se viram)
“Seu Pilar...”
“Que é?”
“Você...”
“Você quê?”
Todos sentam-se no fundo do palco como uma trupe, um fica em pé atrás de todos = 4
6: Raimundo deitou os olhos ao pai, e depois a alguns outros meninos. Um
destes, o Curvelo, que olhava para ele desconfiado.
7: Curvelo era um menino de 11 anos, mais velho que eles e levado ao diabo.
8: Notando essa circunstância, pediu alguns minutos mais de espera a Seu
Pilar.
3 faz sinal a 1 para esperar um
pouco mais. 1 está curioso e ansioso para saber o que é... fica uma situação
entre os três meninos. A trupe fica contando o tempo... até que...
3 olha para o operador de som e
dá o sinal para soltar a faixa.
FAIXA 11: VOZ EM OFF DE RAIMUNDO E
PILAR:
“Sabe o que eu tenho aqui?”
“Não.”
“Uma pratinha que mamãe me deu.”
“Hoje?”
“Não, no outro dia, quando fiz anos...”
“Pratinha de verdade?”
“De verdade.”
Todos estão ao redor dos dois. 3
mostra a moeda a Pilar e lhe oferece.
FAIXA 12: VOZ EM OFF DOS DOIS:
“Mas então você fica sem ela?”
“Mamãe depois me arranja outra. Ela tem muitas que vovô
lhe deixou, numa caixinha; algumas são de ouro. Você quer esta?”
1 estende a mão para pegar a
moeda olhando para os lados para ver se ninguém está vendo e 3 recua e solta um
sorrisinho amarelo. Todos estão atentos na cena quando de repente ouve-se uma
voz gritando da coxia: Estátua? Entram dois alunos da quinta série conversando:
- Você ficou brincando de estátua? – Era o tema. Era o tema. Saem encabulados
ao ver a platéia. 1 e 3 congelam. Todos
se olham. Olham para 1 e 3 e desistem deles que continuam congelados.
Todos: Ah...
9: Vai lá vocês vai... (5 e 6 fazem Pilar e Raimundo do outro lado do
palco, continuam na mesma posição que parou. Ao começarem a representar 1 e 3
descongelam e vão até eles assistir também)
6: (esfregando a pratinha no joelho e pedindo ao operador de som que
soltasse sua fala):
FAIXA 13: VOZ EM OFF DE RAIMUNDO:
“Eu lhe dou a moeda se você me explicar a lição de sintaxe.”
5 fica pensativo e inquieto e
fala olhando para o público:
5: Tive uma sensação esquisita. (vai até o outro lado do palco e fica
andando de um lado para o outro)
7: Sabiam ambos enganar o mestre.
8: A novidade estava nos termos da proposta.
9: na troca de lição e dinheiro.
7: compra franca
8: positiva
9: toma lá, da cá.
3: Compreende-se que o ponto da lição era difícil, e que o Raimundo, não
o tendo aprendido, recorria a um meio que lhe pareceu útil para escapar ao
castigo do pai.
1: O pobre diabo contava com o favor – mas queria assegurarlhe a
eficácia
3: Daí recorreu à moeda que a mãe lhe dera e que ele guardava como
relíquia
1: E veio esfregá-la nos joelhos, à minha vista, como uma tentação...
3: (olhando a moeda e falando para Pilar): Realmente, era bonita,
fina, branca, muito branca.
1: E para Pilar que só trazia cobre no bolso...
5: Não queria recebê-la, e custava-me recusá-la. Olhei para o mestre (procura
alguém para fazer o mestre – 2 apresenta-se) ele lia os trabalhos que entregamos...
(2 rapidamente fingi ler).
6: mostra a moeda novamente. 5 faz menção de ir
até ele.
3: Em verdade, se o mestre não visse nada, que mal havia?
7: É... e ele não podia ver nada, estava muito ocupado com a leitura dos
trabalhos (vai até.2 e manda ele ler) 5 e 6 se olham desconcertados.
FAIXA 14: VOZ DE RAIMUNDO:
“Tome, tome...”
8:
Pilar relanceou os olhos pela sala e deu com os de Curvelo a observá-lo. (4
já estava num canto a observá-lo)
9:
Disse ao Raimundo que esperasse (5 faz sinal para 6 esperar)
Todos se olham... e fazem sinal
para o operador de som soltar o funk
FAIXA 15: BATIDA DE FUNK
Ficam os personagens congelados
e o resto dançando. Até que os personagens olham para eles dançando, se olham e
dizem
Personagens:
Chega!
5 vai até 6 e olha para o
operador.
FAIXA 16: VOZ DE PILAR:
“De cá!”
6 dá a pratinha para.5. 5
sorrateiramente a enfia no bolso das calças.
7: Agora restava Pilar prestar o serviço a Raimundo
8: Ensinar a lição!
9: e não demorou em fazê-lo, nem o fez mal
1: ao menos conscientemente.
7: passou-lhe a explicação em um retalho de papel
8: que ele recebeu com cautela e cheio de atenção
9: Sentia-se que despendia um esforço cinco ou seis vezes maior para
aprender um nada;
3: mas contanto que ele escapasse ao castigo do pai tudo iria bem.
7: De repente perceberam Curvelo.... (4 olha para os dois e solta um
sorrisinho de malvado. 5 dá um sorriso amigável para ele e ele franzi a testa
com cara de mau)
FAIXA 17: VOZ EM OFF DOS DOIS:
“Precisamos muito cuidado.”
“Diga-me isto só.”
Pilar, Raimundo e Curvelo ficam
se olhando.
7: Não é preciso dizer que Raimundo e Pilar estavam em brasas, ansiosos
que a aula acabasse.
8: Curvelo continuava a observá-los
9: e o mestre continuava a ler.
Todos: E lá fora, no céu azul, por cima do morro...
5: o mesmo eterno papagaio, guinando a um lado e outro, como se me
chamasse a ir ter com ele. (5 fica olhando os outros a fazer o morro e o
papagaio – slow motion)
FAIXA 18: VOZ DO MESTRE:
“Seu Pilar!” Venha cá!”
Todos: Ih!!!
Silêncio! 5 levanta-se e vai até 6. Ficam de frente um pro outro.
1: Toda a escola tinha parado, ninguém mais lia, ninguém fazia um só
movimento.
3: Em seguida o mestre chamou também o filho. (6 olha para todos e
faz “eu?” e vai também até o mestre)
FAIXA 19: VOZ DO MESTRE E DE PILAR:
“Então o senhor recebe dinheiro para ensinar as
lições aos outros?”
“Eu...”
“De cá a moeda que este seu colega lhe deu!”
Tremendo muito 5 lentamente
coloca a mão no bolso e lhe entrega a moeda. 2 examina-a e bufando de raiva
atira-a no chão.
7: E então o mestre disse-lhes uma porção de coisas duras
8: É... que tanto o filho como Pilar praticaram uma ação muito feia,
indigna, baixa, uma vilania.
9: E então pegou da palmatória...
(2 pega a palmatória para bater nos dois e.5 e 6 pedem para esperar
um pouco – eles colocam 1 e 3 no lugar deles)
5: Pode continuar...
2 pede a mão dos dois e começa a bater.1 e 3 ficam gritando: “ai, ai”.
7: Pilar só pensava numa coisa
1: Tu me pagas Curvelo! Tão duro como osso! (apanhando, como se fosse
pensamento)
8: E veio a hora de sair
9: Curvelo saiu apressado. (.4 sai de cena)
7: Os outros normalmente (saem de cena os outros 3 personagens)
8: Bem... alguns cabisbaixo...
5: Em casa Pilar
não contou nada, é claro
9: mas para explicar as mãos inchadas mentiu a mãe que não tinha sabido
a lição.
5: Dormiu a noite mandando ao diabo os dois meninos, tanto o da denúncia
como o da moeda.
7: De manhã acordou cedo
8: A idéia de procurar a moeda que o mestre havia jogado pela janela fez
com que se vestisse depressa.
9: mas a caminho da escola... encontrou um grupo de HIP HOP e bem.... mais
uma vez não foi à escola. (entra 1 olhando para todos que se posicionam para
dançar- a batida do hip hop entra baixinho e vai até o proscênio:
1: Contudo, foram eles, Raimundo e Curvelo, que me deram o primeiro
conhecimento, um da corrupção, outro da delação... mas o diabo do HIP HOP...
FAIXA 20: BATIDA DE HIP HOP
9: Fala aí Pillar... você não
pode negar...o conto ta acabando mas a lição ta no ar.
Meninos:
É... o hip hop só venho acrescentar!
9: Se
liga sangue bom... no que vamos dizer agora...
Meninas:
da corrupção e da delação...
Meninos:
seu Pillar está fora!
Meninas: da corrupção e da delação...
Meninos:
seu Pillar está fora..
9:
IH... foi de Machado de Assis
Todos:
foi o conto de escola...
Meninas:
Foi de Machado de Assis
Meninos:
Foi o conto de escola... Todos: (3x)
Machado de Assis entra em cena, olha para eles, olha para o público e
desmaia.
A música para. Todos saem correndo. Entra a trupe machadiana, pedindo
desculpas ao público e levando Machado para coxia.
ENTRA FAIXA 21: SOM DE GALO
Segundo Conto
ELENCO: 3 atrizes e 3 atores
Concepção: CENAS SIMULTÂNEAS
MISSA DO GALO
3 Meninos = Nogueira 3 Meninas = Dona Conceição
ATOR 1: (entrando) Nunca pude entender a
conversação que tive com uma senhora, há muitos anos, contava eu dezessete, ela
trinta. Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à Missa do
Galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia noite.
ATOR 2: (entrando) A casa em que eu estava hospedado era a do escrivão Meneses, que fora
casado, em primeiras núpcias, com uma de minhas primas. A segunda mulher,
Conceição, e a mãe desta acolheram-me bem, quando vim de Mangaratiba para o Rio
de Janeiro, meses antes, a estudar preparatórios. Vivia tranquilo, naquela casa
assobradada da Rua do Senado, com os meus livros, poucas relações, alguns
passseios. A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas
escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos
quartos; às dez e meia a casa dormia.
ATOR 3: (entrando) Nunca tinha ido ao teatro, e
mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me
levasse consigo. Nessas ocasiões a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à
socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte.
Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia
amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por
semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas,
afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.
MENINOS: Boa Conceição!
FAIXA 22: MÚSICA DA CONCEIÇÃO
Entram pelos três cantos da coxia as três meninas de
Conceição dançando e cada uma circula em volta de um menino. Formam-se os três
casais. As Conceições congelam no final da música.
ATOR 1: Chamavam-lhe “a Santa”
ATOR 2: E fazia jus ao título
ATOR 3: Tão facilmente suportava os esquecimentos do marido.
ATOR 1: Em verdade, era de um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes
lágrimas, nem grandes risos.
ATOR 2: O próprio rosto era mediano,
ATOR 1: nem bonito
ATOR 2: nem feio.
ATOR 3: Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo.
ATOR 2: Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.
ATOR 1: Naquela noite de Natal foi o escrivão ao teatro.
ATOR 2: Era pelos anos de 1861
ATOR 1: ou 1862
ATOR 3: Eu já devia estar em Mangaratiba, em férias; mas fiquei até o Natal para
ver a Missa do Galo na Corte.
ATOR 1: A família recolheu-se à hora do costume; eu meti-me na sala da frente,
vestido e pronto.
FAIXA 23: CUCO: 11 HORAS
Entra a trupe da quinta série e
coloca em cena três bancos e três livros. As Conceições continuam congeladas e
os Nogueiras olham o relógio.
MENINOS: (olhando-se) Onze horas!
Dirigem-se ao banco, sentam e começam a ler. As
três meninas descongelam, começam a abanar o leque olhando para a platéia,
depois de um tempo viram-se juntas olham para os meninos e vão até eles, por
trás dos bancos.
MENINAS: Ainda não foi???
Os Nogueiras levam um susto.
MENINOS: Não fui; parece que ainda não é meia-noite.
MENINAS: Que
paciência!
As conceições ficam olhando para os Nogueiras, os
Nogueiras ficam sem jeito. Tempo!
Apartir de agora a
cena acontece simultaneamente com as 3 duplas:
Dupla 1: ATOR 1 E ATRIZ 1
Dupla 2: ATOR 2 E ATRIZ 2
Dupla 3: ATOR 3 E ATRIZ 3
ATOR 1: Acordei a senhora Dona Conceição?
ATRIZ 2: Não! Qual! Acordei por acordar.
ATOR 3: Mas a hora já há de estar próxima.
ATRIZ 1: Que paciência a sua de esperar acordado,
enquanto o vizinho dorme!
MENINAS: E esperar sozinho!!!
ATOR 2: Não tem medo de almas de outro mundo? Eu
cuidei que se assustasse quando me viu.
ATRIZ 3: Quando ouvi os passos estranhei; ,mas a
senhora apareceu logo.
MENINAS: Que é que está lendo?
ATRIZ 2: Não diga! Já sei...
ATRIZ 1 E ATRIZ 3: É o
romance dos Mosqueteiros!
ATOR 2: justamente; é muito bonito.
MENINAS: Gosta de romances?
MENINOS: Gosto.
ATRIZ 1: Já leu a Moreninha?
ATOR 3: Do Dr. Macedo? Tenho lá em Mangaratiba.
ATRIZ 2: Eu gosto muito de romances, mas leio pouco,
por falta de tempo.
MENINAS: Que romances tem lido?
ATOR 1: José de Alencar
ATOR 3: Castro Alves
MENINOS: Machado de Assis...
(As Conceições deixam os Nogueiras
sem graça com seu jeito de olhar)
A partir de agora a cena fica um
pouco em cada casal (foco)
ATOR 1: Dona Conceição, creio que vão sendo horas, e
eu...(alto)
ATRIZ 1: Não, não, ainda é cedo. Vi agora mesmo o
relógio; são onze e meia. Tem tempo. Você, perdendo a noite, é capaz de não
dormir de dia?
ATOR 1: Já tenho feito isso.
ATRIZ 1: Eu, não; perdendo a noite, no outro dia estou
que não posso, e , meia hora que seja, hei de passar pelo sono. Mas também
estou ficando velha.
MENINOS: Que velha o quê, D. Conceição?
ATRIZ 2: Não sei como consegues esperar pela missa,
afinal é a mesma missa da roça, todas as missas se parecem.
ATOR 2: Acredito; mas aqui há de haver mais luxo e
mais gente também. Olhe, a semana santa na Corte é mais bonita que na
roça... Na roça é tudo mais humilde, as
roupas das pessoas são menos elaboradas, o modo de condução da missa é menos
pomposo. As festas de São João é que são boas, mas também não sei como são aqui
na Corte.(nervoso, vai alteando a voz)
ATRIZ 2: Mais baixo! Mamãe pode acordar.(Conceição senta-se ao lado do Rapaz)
Mamãe está longe, mas tem o sono muito leve; se acordasse agora, coitada, tão
cedo não pegava no sono.
ATOR 2: Eu também sou assim.
MENINAS: O quê? (inclinando o corpo para ouvir melhor)
ATOR 3: Eu disse que também tenho o sono leve.(vai sentar-se um pouco mais longe)
ATRIZ 3 (rindo): Ah, então somos três sonos leves. Há
ocasiões que sou como mamãe: acordando, custa-me dormir outra vez, rolo na
cama, à toa, levanto-me, acendo a vela, passeio, torno a deitar-me, e nada.
ATOR 3: Foi o que lhe aconteceu hoje.
ATRIZ 3: Não, não.(batendo
com as mãos nas pernas, em seguida cruzando-as) Sonhas muito? E pesadelos?
Já tiveste muitos pesadelos? Eu só tive um pesadelo até hoje, eu era uma
criança.
ATOR 3: Pesadelos...Deixa-me ver...Sim, eu tive um
pesadelo aos onze ou doze anos. Eu era desafiado num duelo. Adivinha quem me
desafiava? O coisa ruim!
ATRIZ 3: Nem convém falar destas cousas na noite de
Natal. Gostas de flores? Viste as rosas que comprei? (levanta-se) Os homens
quando querem agradar às mulheres oferecem rosas. Eu quis agradar a mim
mesma...
MENINAS: Rosas vermelhas, a cor da paixão.
MENINOS: Gosto de rosas. (alto)
ATRIZ 1: Mais baixo! (sentando ele no banco e posicionando-se de costas atrás do banco)
ATRIZ 2: Mais baixo! (sentando ele no banco e posicionando-se de costas atrás do banco)
ATRIZ 3: Mais baixo! (sentando ele no banco e posicionando-se de costas atrás do banco)
MENINAS: Já ofertaste rosas à uma mulher? (as três virando-se com uma rosa cada)
MENINOS: Não. Nunca. (levantando-se)
ATRIZ 3: (Levando
seu par para frente) Já recebeste uma rosa de uma mulher? Uma rosa de uma
senhora para um varão...(Fica vexada,
fica a caminhar pela sala, detendo-se em quadros da parede) Estes quadros
estão ficando velhos. Já pedi a Chiquinho para comprar outros. A figura de
Cleópatra! Deusas Gregas ...
ATOR 3: São bonitos...
ATRIZ 1: (Levando
seu par para frente) Bonitos são; mas estão manchados. E depois
francamente, eu preferia duas imagens de santa. Imagine, numa casa de família,
imagens de Cleópatra e Deusas Gregas, seminuas...Estes quadros são mais
próprios para sala de rapaz ou de barbeiro.
ATOR 1: De barbeiro? A senhora nunca foi a casa de barbeiro.
ATRIZ 3: Mas imagino que os fregueses, enquanto
esperam, falam de moças e namoros, e naturalmente o dono da casa alegra a vista
deles com figuras bonitas. Em casa de família é que não acho próprio. É o que
penso.
ATRIZ 3 E ATRIZ 1: Mas eu penso muita cousa assim esquisita…
ATRIZ 1: Seja o que for, não gosto dos quadros. Eu
tenho uma Nossa Sra da Conceição, minha madrinha, muito bonita; mas é de
escultura, não se pode pôr na parede, nem eu quero. Está no meu oratório.
ATRIZ 3 E ATRIZ 1: (Desconcertadas,
olhando ao redor) Precisamos mudar o papel de parede da sala...
ATOR 2: (De trás
sentado com seu par) Eu acho que já...
ATRIZ 2: Sempre fui muito religiosa, minha mãe até
pensou que eu seria esposa de Deus... eu era muito criança, rezava horas e
horas... com a mocidade esvaiu-se um pouco a minha fervorosa crença… ah… (olhando para os dois casais à frente, que
começam a dançar….)
ATRIZ 3 E ATRIZ 1: (dançando
com seus pares) Bailes em Paquetá, trocas de olhares, namoricos... (param de dançar e congelam)
ATRIZ 2: Conheci teu primo emprestado num baile em
Paquetá, ele já era viúvo há dous anos...
ATOR 2: Tenho saudades de minha prima...Era uma mulher
muito boa...
ATRIZ 2: Os homens têm sorte, as vezes, ou melhor,
quase sempre.
TODOS: Precisamos mudar o papel de parede da sala... (neste momento os dois casais que estão na
frente saem tirando o cenário. Fica em cena somente o casal do meio).
Ele levanta, ela vai a direção dele,
olham-se olhos nos olhos, durante um longo tempo.. Ouve-se uma pancada
na porta. É o amigo do rapaz.
Amigo do Rapaz: Missa do Galo! Missa do Galo!
ATRIZ 1: Aí está o companheiro. Tem graça: você é que
ficou de ir acordá-lo, ele é que vem acordar você. Vá, que hão de ser horas;
adeus.
ATOR 2: Já serão horas?
ATRIZ 1: Naturalmente
Ouve-se novamente a voz na rua: Missa do Galo!!!!
ATRIZ 1: Vá, vá, não se faça esperar. A culpa foi
minha. Adeus, até amanhã. (Michele fica no centro do palco)
Entram os 3 meninos:
ATOR 3: Nunca mais esqueço daquela noite. Durante a missa, a figura de
Conceição interpôs-se mais de uma vez, entre mim e o padre; fique isto à conta
dos meus dezessete anos. Na manhã seguinte, ao almoço, falei da missa do galo e
da gente que estava na igreja sem excitar a curiosidade de Conceição. Durante o
dia, achei-a como sempre, natural, benigna, sem nada que fizesse lembrar a
conversação da véspera.
ATOR 1: No Ano Novo voltei para Mangaratiba. Em Março, ao voltar para o Rio de
Janeiro, o escrivão, meu primo emprestado tinha morrido de apoplexia. Soube que
Conceição morava no Engenho Novo, mas nem a visitei, nem a encontrei. Ouvi mais
tarde que ela casara com o escrevente juramentado do marido.
ATOR 2: Até hoje tenho dúvidas se aquela gentileza toda de Dona Conceição era
pura bondade ou se havia uma pitada de
interesse num rapazote como eu.
MENINOS: Ah! As mulheres e seus enigmas!
FAIXA 24: VALSA
Voltam para a valsa atriz 1 e
atriz 3. Cada uma com seu par. Os três casais começam a dançar.
Durante a valsa entra a quinta
série e começa a dançar também, Machado de Assis entra no meio... aos poucos
todos saem e fica Machado perdido em cena. De repente abrem-se as cortinas de fundo e
está sentada em frente á uma mesa “a Cartomante”. Ela o chama:
Cartomante: Sente-se!
Machado confuso vai até ela e
senta-se na cadeira. Fecham-se as cortinas.
Da coxia escuta-se os risos de
Camilo. Saí Rita falando e Camilo atrás.
Terceiro Conto
ELENCO: 2 atores (Camilo e Vilela) e 5 atrizes
Concepção: Narração para a platéia
A CARTOMANTE
Rita: Ria, ria. Os homens são assim, não acreditam em nada. Pois saiba que
fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse
o que era. Apenas começou a botar as
cartas, disse-me: “A Senhora gosta de uma pessoa”... Confessei que sim, e então
ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha
medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...
Camilo: (rindo) Errou!
Rita: Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, já lhe
disse. Não ria de mim, não ria.
Camilo olha fixamente para Rita e pega sua mão.
Camilo: Eu lhe quero tanto Rita. Você parece uma criança assustada. Não tenha
receio. Sua melhor cartomante está aqui mesmo, à sua frente. E depois você foi
muito imprudente andando por essas casas. Vilella podia saber, e depois...
Rita: Qual saber! Tive muita cautela, ao entrar na casa.
Camilo: Onde é a casa?
Rita: Aqui perto, na rua da Guarda Velha, não passa ninguém nessa ocasião.
Descansa, eu não sou maluca.
Camilo ri outra vez.
Camilo: Tu crês deveras nessas coisas?
Rita: Há muita coisa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se você não
acredita, paciência, mas o certo é que a cartomante adivinhou tudo. A prova é
que agora estou tranqüila e satisfeita.
Camilo olha para Rita e sorri desconcertado. Os
dois ficam de carinhos.
Entram dois narradores.
Narrador 1: Ele ia falar, mas reprimiu-se.
Narrador 2: Não queria arrancar-lhe as ilusões.
Narrador 1: Também ele quando criança era supersticioso, teve um arsenal inteiro de
crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram.
Narrador 2: No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o
tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos,
envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total.
Narrador 1: Camilo não acreditava em
nada. Por quê? Não poderia dize-lo, não possuía um só
argumento; limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar.
Os dois narradores saem de cena. Entra pela
cortina de fundo uma narradora. Passa pelo meio de Rita e Camilo falando:
Narradora: Separaram-se contentes, (Camilo
e Rita saem contentes de cena, um para cada lado)
Ele ainda mais que
ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo não só o estava mas via-a
estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que a
repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro era
na antiga rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu
pela rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu
pela da Guarda Velha, olhando de passagem para a casa da cartomante. (vai saindo de cena olhando para onde
apareceu a cartomante). Entra em cena o terceiro narrador.
Conforme o terceiro narrador fala vão
aparecendo os três e param em frente as coxias. Três focos.
Narrador 1: (na penunbra) Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma
aventura, e nenhuma explicação das origens. Vamos á ela. Os dois primeiros eram
amigos de infância. Vilela seguiu a carreira de magistrado. Camilo entrou no
funcionalismo, contra a vontade do pai, que queria vê-lo médico; mas o pai
morreu, e Camilo preferiu não ser nada, até que a mãe lhe arranjou um emprego
público. No princípio de 1869, voltou Vilela da província, onde casara com uma
dama formosa e tonta; abandonou a magistratura e veio abrir banca de advogado.
Camilo arranjou-lhe casa para os lados de Botafogo, e foi abordo recebe-lo.
O narrador 1 senta-se na platéia.
Abre a luz da cena.
Rita: É o senhor? Não imagina como meu marido é seu amigo; falava sempre do
senhor.
Camilo não responde nada. Olha com ternura para
Vilela e abraçam-se. Ficam os três em cena como se estivessem conversando. O primeiro
narrador volta a cena. Foco somente no narrador.
Narrador 1: É... a mulher de Vilela não desmentia as cartas do marido. Era realmente
graciosa e viva nos gestos. Era um pouco mais velha que ambos. Entretanto, o
porte grave de Vilela fazia-o parecer mais velho que a mulher, enquanto Camilo
era um ingênuo na vida moral e prática. Faltava-lhe tanto a ação do tempo como
os óculos de cristal, que a natureza põe no berço de alguns para adiantar os
anos. Nem experiência, nem intuição.
Saí o foco do narrador. Ele vai
para a coxia. Os três vão saindo de cena.
Camilo: Vamos meu amigo, quero lhe mostrar a casa que arranjei.
No instante que os três estão saindo de cena,
entra pelo mesmo lado, o segundo narrador.
Narrador 2: Uniram-se os três. Convivência trouxe intimidade. Pouco depois morreu a
mãe de Camilo, e nesse desastre, que o foi, os dois mostraram-se grandes amigos
dele. Vilela cuidou do enterro, dos sufrágios e do inventário; Rita tratou
especialmente do coração, e ninguém o faria melhor.
Como daí chegaram ao
amor, não o soube ele nunca. A verdade é que gostava de passar as horas ao lado
dela; era a sua enfermeira moral, quase uma irmã, mas principalmente era mulher
e bonita.
Entram Camilo e Rita em cena. Foco no centro do
palco para os dois. Em volta os 2 narradores. Camilo e Rita sentem-se
observados...
Narrador 1: Camilo quis sinceramente fugir, mas já não pôde.
Narrador 2: Rita, como uma serpente, foi-se acercando dele, envolveu-o todo,
fez-lhe estalar os ossos num espasmo, e pingou-lhe o veneno na boca.
Narrador 1: Ele ficou atordoado e subjugado.
Narrador 2: Vexame
Narrador 1: sustos
Narrador 2: remorsos
Narrador 1: desejos, tudo sentiu de mistura; mas a batalha foi curta e a vitória
delirante.
Os dois narradores: Adeus, escrúpulos!!!
Os narradores caminham e viram-se
de costas para eles.
Camilo: Recebi uma carta dizendo-me imoral e pérfido.
Rita: (olhando a carta): Sabem sobre nós, Camilo.
Camilo: Acho melhor ausentar-me um pouco de sua casa.
Os dois abraçam-se. Tira o foco
deles. Camilo sai de cena. Fica Rita como quem está esperando alguém.
Os narradores viram-se para a
platéia. Luz ampla.
Narrador 1: Vilela notou-lhe as ausências.
Narrador 2: Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz.
Narrador 1: Candura gerou astúcia.
Narrador 2: As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente.
Narrador 1: Foi por esse tempo que Rita, desconfiada e medrosa, correu à
cartomante.
Todos ficam como quem está esperando a
cartomante. A Cartomante abre a cortina e chama Rita.
Narrador 2: Enquanto isso... (aparece Camilo
de um lado do palco)
Narrador 1: Camilo recebe mais três cartas anônimas e teme que o anônimo possa ter
com Vilela... (aparece Vilela de outro
lado do palco)
Narrador 2: Vilela começa a mostrar-se sombrio, falando pouco, como desconfiado.
Os narradores ficam um de cada lado simulando a entrada das duas
casas. Rita sai da casa de Vilela, que após passar por Rita entra na coxia, e
dirigi-se a casa de Camilo passando entre os narradores que assim que ela passa
entram para coxia.
Camilo: Rita!
Rita: Meu amor! Creio que meu marido desconfia... acho que deves voltar a
freqüentar nossa casa.
Camilo: Aparecer depois de tantos meses seria confirmar a suspeita ou
denúncia. Devemos agir com cautela, mais algumas semanas. Combinaremos os meios
de nos correspondermos em caso de necessidade.
(Rita abraça Camilo. Entra a narradora
e passa entre eles falando):
Narradora: Separaram-se com lágrimas. (Rita
despede-se de Camilo e sai. Camilo fica em cena.A narradora que observava a
despedida, continua):
Narradora: No dia seguinte, Camilo recebe um bilhete de Vilela. (o bilhete é jogado pela porta da coxia).
Camilo pega o bilhete e lê.
Camilo: “Venha já à nossa casa; preciso falar-te sem demora.”
Narradora: E repetia ele com os olhos no papel.
Camilo: “Venha já à nossa casa; preciso falar-te sem demora.”... “Venha já à
nossa casa; preciso falar-te sem demora.”... (vai saindo de cena)
Narradora: Camilo estava atordoado. A idéia de estarem descobertos, parecia-lhe
cada vez mais verossímil; era natural uma denúncia anônima, até da própria
pessoa que o ameaçara antes; podia ser que Vilela conhecesse agora tudo. A
mesma suspensão das suas visitas, sem motivo aparente, apenas com um pretexto
fútil, viria confirmar o resto. (A
narradora sai de cena).
Entram em fila: Camilo na frente e os dois
narradores caminhando atrás dele.
Narrador 1: Camilo ia andando inquieto e nervoso. Não relia o bilhete, mas as
palavras estavam decoradas, diante dos olhos, fixas; ou então, o que era ainda
pior, eram-lhe murmuradas ao ouvido.
Narradores 2: “Venha
já à nossa casa; preciso falar-te sem demora.”
Narrador 1: Cogitou em ir armado, considerando que, se nada houvesse, nada perdia, e
a precaução era útil mas logo rejeitou a idéia.
Narrador 2: Picando o passo seguia em direção do Largo da Carioca, para entrar num
desses carros pequenos de duas rodas, puxado por um só animal.
Narrador 1: Queria chegar logo, não podia continuar aflito desse jeito.
Camilo: Ah, aqui está... (Camilo entra para coxia. Os quatro narradores
ficam em cena olhando para dentro da coxia.) Siga a trote largo!!
FAIXA 25: SOM DE TROTE DE CAVALO
E DE FREIADA DE CAVALO
Narrador 2: Iiiihhh! Engarrafô!!!
Narrador 1: Depois de 5 minutos de espera, Camilo observou à esquerda a casa da
cartomante!
Narrador 2: e nunca ele desejou tanto crer na lição das cartas.
Camilo vai entrando em cena olhando para a
coxia de fundo onde é a casa da cartomante.
Cena da cartomante com Camilo!!!!!
Luz no rosto de Camilo enquanto a cartomante
fica a meia luz. Ela pega o baralho e começa a jogar. Coloca três cartas sobre
a mesa e diz:
Cartomante: Vejamos primeiro o que é que o traz aqui. O senhor tem um grande susto.
Camilo maravilhado faz que sim com a cabeça.
Cartomante: E quer saber, se lhe acontecerá alguma coisa ou não…
Camilo: A mim e a ela.
Cartomante: Espere! Começou a embaralhar as
cartas de novo, cortando uma, duas vezes… e estendendo-as na mesa. Camilo
atônito olhando para as cartas.
Cartomante: As cartas dizem-me… que não deves temer. Nada acontecerá a você ou a
ela. Ele não sabe de nada. Mas tenha muita cautela, há invejas e despeitos.
Camilo: A senhora restituiu-me a paz ao espírito. (dá a mão a cartomante por cima da mesa. Ela levanta-se)
Cartomante: Vá ragazzo inamorato… (tocou-lhe
com o dedo indicador na testa. Ele levantou-se também. A cartomante começa a
comer passas e Camilo não sabe como pagar…)
Camilo: Passas custam dinheiro. Quantas quer mandar buscar? (mostrando a carteira)
Camilo lhe deu um dinheiro que não era o
habitual. Ela fuzilou a nota com o olhar.
Cartomante: Vejo bem que o senhor gosta muito dela… E faz bem, ela gosta muito do
senhor. Vá, vá tranquilo.
Escurece a cena. Entram osdois
narradores e falam no blackout. Enquanto rola a narração vai se posicionando em cena Vilela com um
revolver. Rita morta no chão e Camilo entrando na casa.
Narrador 2: Tudo lhe parecia agora melhor. As crenças voltaram.
Narrador 1: Pensava nas palavras da cartomante. Ela adivinhara o objeto da consulta
Narrador 2: O estado dele
Narrador 1: A existência de um terceiro
Os dois: Por que não adivinharia o resto?
Volta a luz. Cena final: A morte de Camilo.
Camilo: (entrando… e já vendo Rita no
chão…) Desculpe, não pude vir
mais cedo; que há?
Vilela olha fixamente para Camilo que olha para
Rita. Vilela atira 2 vezes em Camilo que caí no Chão. Vilela solta o revolver e
vai chorando agachando-se no chão. Entra a narradora:
Narradora: Separaram-se sem risos e sem lágrimas, desta vez para sempre!
Entra a faixa e vai escurecendo. Todos saem de
cena no blackout.
FAIXA 26
CENA FINAL:
APARECE NOVAMENTE MACHADO DE ASSIS SENTADO EM FRENTE A SUA ESCRIVANINHA
DORMINDO. PAPÉIS NO CHÃO. CENA IDÊNTICA COM A DO INÍCIO DO ESPETÁCULO. DE REPENTE ELE LEVANTA A CABEÇA NUM SUSTO.
BLACKOUT
FIM
Ótimo trabalho. Vc não escreve peças sobre Dom Casmurro?
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